Ana Leopoldina Santos Lima era o nome dela. Isso muito antes de o barro moldar seu destino lhe dando por amor um homem que não tinha olhos para enxergá-la. Os monstros gerados pelas mãos de Ana eram cegos como o companheiro de sua vida. Com um golpe rápido, certeiro, ela vazava os olhos de suas criaturas com a ponta de um pedaço de pau. Com Ana era assim, a desgraça virava épico[...] Carregava nos gestos uma largura de alma. E o rio era seu espelho em mais de um sentido. A mulher que moldava o barro do chão só pisava o reflexo do céu [...] Ana das Carrancas costumava dizer que sua arte era a síntese de seu amor por um cego que via o mundo, mas não era visto por ele. Entre ela e Zé dos Barros nunca se soube quem era criador, quem era criatura. Ela já veio ao mundo retirante, na cidade pernambucana de Ouricuri. Mas diferente de quase todos, nunca lamentou a terra estéril sob seus pés. A estirpe de mulheres da qual era continuidade moldava pratos, panelas, vasos. Ana aprendeu com a mãe, e antes dela a avó, que do barro se arranca tudo, até a vida.[...]Um dia a vizinha abordou Ana na rua. “Desenteirei açúcar do meu filho para dar esmola a Zé”, queixou-se. O rosto de Ana queimou de vergonha. Tirou uma nota do bolso e retrucou: “Enteire de novo o açúcar do seu filho. Por Zé ele não vai passar fome”. Naquela noite não dormiu. Sua tristeza não coube na rede que dividia com Zé. Quando acordou, chamou o marido e anunciou: “Meu velho, nunca lhe fiz um pedido. Mas hoje lhe peço. De agora em diante, você não vai mais pedir esmola". Assustado, Zé rebateu: “Deus me fez sem vista para que eu pedisse esmola”. Ana fincou pé: “De hoje em diante sua vista é a minha. Você pisa o barro, eu faço a peça. Nós vamos levar para a feira, nós vamos ser felizes”[...] Ana pegou a enxada e caminhou até as margens do São Francisco, em Petrolina. Diante da fartura de líquidos, invocou o espírito do rio: “Meu grande Nosso Senhor São Francisco. Pelo poder que ostenta, pelas águas que estão correndo, do próprio barro melhore a nossa vida”. Ao terminar, juntou um bolo de lama e fez, sem que até hoje saiba como, a primeira carranca.[...] A maioria dos carranqueiros célebres esculpe em madeira, Ana, em barro. Mas a maior singularidade são mesmo os olhos vazados[...] “Os olhos vazados da carranca são uma homenagem a ele. O Zé pisa o barro, prepara o bolo, faz a forma no pensamento. Eu moldo” [...]
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
O Sertão na Arte de Ana das Carrancas
Ana Leopoldina Santos Lima era o nome dela. Isso muito antes de o barro moldar seu destino lhe dando por amor um homem que não tinha olhos para enxergá-la. Os monstros gerados pelas mãos de Ana eram cegos como o companheiro de sua vida. Com um golpe rápido, certeiro, ela vazava os olhos de suas criaturas com a ponta de um pedaço de pau. Com Ana era assim, a desgraça virava épico[...] Carregava nos gestos uma largura de alma. E o rio era seu espelho em mais de um sentido. A mulher que moldava o barro do chão só pisava o reflexo do céu [...] Ana das Carrancas costumava dizer que sua arte era a síntese de seu amor por um cego que via o mundo, mas não era visto por ele. Entre ela e Zé dos Barros nunca se soube quem era criador, quem era criatura. Ela já veio ao mundo retirante, na cidade pernambucana de Ouricuri. Mas diferente de quase todos, nunca lamentou a terra estéril sob seus pés. A estirpe de mulheres da qual era continuidade moldava pratos, panelas, vasos. Ana aprendeu com a mãe, e antes dela a avó, que do barro se arranca tudo, até a vida.[...]Um dia a vizinha abordou Ana na rua. “Desenteirei açúcar do meu filho para dar esmola a Zé”, queixou-se. O rosto de Ana queimou de vergonha. Tirou uma nota do bolso e retrucou: “Enteire de novo o açúcar do seu filho. Por Zé ele não vai passar fome”. Naquela noite não dormiu. Sua tristeza não coube na rede que dividia com Zé. Quando acordou, chamou o marido e anunciou: “Meu velho, nunca lhe fiz um pedido. Mas hoje lhe peço. De agora em diante, você não vai mais pedir esmola". Assustado, Zé rebateu: “Deus me fez sem vista para que eu pedisse esmola”. Ana fincou pé: “De hoje em diante sua vista é a minha. Você pisa o barro, eu faço a peça. Nós vamos levar para a feira, nós vamos ser felizes”[...] Ana pegou a enxada e caminhou até as margens do São Francisco, em Petrolina. Diante da fartura de líquidos, invocou o espírito do rio: “Meu grande Nosso Senhor São Francisco. Pelo poder que ostenta, pelas águas que estão correndo, do próprio barro melhore a nossa vida”. Ao terminar, juntou um bolo de lama e fez, sem que até hoje saiba como, a primeira carranca.[...] A maioria dos carranqueiros célebres esculpe em madeira, Ana, em barro. Mas a maior singularidade são mesmo os olhos vazados[...] “Os olhos vazados da carranca são uma homenagem a ele. O Zé pisa o barro, prepara o bolo, faz a forma no pensamento. Eu moldo” [...]
Refletindo Arte, Realidade e Representação
Como fonte alimentadora dessa reflexão passeamos por Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Magritte e visitaremos, na próxima semana, nas vozes de Nara Leão, Fagner e Adriana Calcanhoto, Traduzir-se, de Ferreira Gullar.
A ARTE
A arte é um esquivar-se a agir, ou a viver. A arte é a expressão intelectual da emoção, distinta da vida, que é a expressão volitiva da emoção. O que não temos, ou não ousamos, ou não conseguimos, podemos possuí-lo em sonho, e é com esse sonho que fazemos arte. Outras vezes a emoção é a tal ponto forte que, embora reduzida à ação, a ação, a que se reduziu, não a satisfaz; com a emoção que sobra, que ficou inexpressa na vida, se forma a obra de arte. Assim, há dois tipos de artista: o que exprime o que não tem e o que exprime o que sobrou do que teve.
PESSOA, Fernando. Livro do desassossego. São Paulo: Cia das Letras, 2006. p.234.
AGUA VIVA
Clarice Lispector
Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o
sabor-a-ti é abstrato como o instante. É também
com o corpo todo que pinto os meus quadros e na
tela fixo o incorpóreo, eu corpo a corpo comigo
mesma. Não se compreende música: ouve-se. Ouve-
me então com teu corpo inteiro. Quando vieres a
me ler perguntarás por que não me restrinjo à pin-
tura e às minhas exposições, já que escrevo tão tos-
co e sem ordem. É que agora sinto necessidade de
palavras – e é novo para mim o que escrevo por que
minha verdadeira palavra foi até agora intocada.
A palavra é minha quarta dimensão.
Traduzir-se
Ferreira Gullar
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —será arte?
O convite agora é que passemos a saborear o que os/as estudantes nos falam:
Era como um beijo dado no pescoço, por uma pessoa amada. Sentia meu coração apertado e sussurros de palavras doces feito mel em meus ouvidos.Me sentia tão, tão eu! Era quase como estar namorando meu reflexo, apaixonada pelos sorrisos cor de rosa que eu dava. Narcisista? Talvez, pelo menos agora chegava perto de algo chamado felicidade. Apesar de ser de repente esses suspiros e cantarolos surgiram dela, a música.A música causa em mim um tango, ou um ballet interno. Ela brinca com meus sentimentos e me alimenta de gotas de própolis que enriquecem minha alma. Mesmo nos momentos mais cinzas, obscuros e hipócritas, de autodúvida, auto-questionamentos, lá está essa velha e eterna amiga pra me fazer auto-suficiente e deixar em mim um conhecimento profundo.A arte não é única ou singular, a arte é um plural que cobre a todos que permitam que ela ensine, todos que saibam ouvi-la, entendê-la. Ela está ao nosso lado, dentro de lágrimas de alegria até mesmo dentro da solidão conjunta. No fundo do gesso cru está a mais bela escultura esperando um pássaro pra abrir as asas da imaginação e criar o que quiser.Arte não é um papel em branco, ou o desenho que rabiscam nele. Ela é a vontade que pressiona a mão contra o lápis sobre o papel e permite que ele dance, cante ou sorria para deixar marcas do pensado, pensável ou até mesmo do impensável.E é isso que pretendo com a arte, eternas gotas de própolis pra sustentar o vôo da minha imaginação.
Camila Damásio (8ªC)
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Dica de exposição: Faustus de José Rufino
Ossos moldados em gesso e peças de mobiliário antigo compõem a obra criada pelo artista plástico paraibano José Rufino para mostra Faustus. O site especific – modalidade de instalação na qual peças são criadas para dialogar com o meio em que estão expostas – incita uma reflexão sobre memória e sobre o passado do próprio espaço. A exposição abre o calendário 2010 de mostras que irão propor um diálogo entre artes visuais e a arquitetura do Palácio.
A mostra vai até 14 de março, ainda dá tempo de visitar!!!!
Endereço: Salão Nobre do Palácio da Aclamação - Av. Sete de Setembro, n° 1330, Campo Grande. Telefone: 3321-6665
Preço: Entrada franca
Visitação: terça a sexta, 10h às 18h; sábado e domingo,13h às 17h
LEIA MAIS SOBRE A MOSTRA EM:
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
Como a Arte se insere na sua vida?
Victor Galeffi (7ª A)
Rafael de Carvalho (7ª C)
Liz Moraes (7ª C)
Camille Lordelo (7ª C)
A Arte, sem dúvida, está muito presente na minha vida. Sinto a Arte quando vejo um pôr-do-sol na Barra, quando ouço uma música e reflito sobre a sua proposta, quando, no carnaval, vejo um monte de gente fantasiada, quando vejo um out door, quando vejo as pinturas dos tetos da igreja, quando vejo o desfile das escolas de samba, quando leio um livro, quando reparo as grandes "bobagens inocentes" que as crianças falam, quando vou para a feira, quando assisto a um filme, quando mergulho, quando escrevo uma poesia, quando vejo as roupas das pessoas, enfim: quando respiro.
Júlia Rezende (7a C)
Na minha opinião, a Arte se insere de inúmeras maneiras no meu cotidiano, pois acho que a Arte está praticamente em tudo no dia-a-dia; desde a decoração do meu quarto, a uma música que ouço na rádio. Como não temos um só tipo de arte, ela pode estar presente nas coisas mais simples que você imaginar. Está em um filme, no teatro, em uma dança, na literatura e na arquitetura. Acho que, mesmo que você não perceba, ela está alí presente, mesmo que você não repare.
Flora Tavares (7a C)
A Arte faz parte da minha vida em todos os momentos. A Arte, para mim, é uma forma de expressar os sentimentos. A Arte é música, dança, sentimentos, enfim, a Arte é expressão. Ela está presente no cotidiano de cada pessoa, cada pessoa tem um jeito de observar a arte de uma forma: pode ser vulgar, feia, bonita, etc. A Arte é uma forma totalmente natural e positiva de viver!
Júlia Quirino (7a C)
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Arte Rupestre
Serra da Capivara - PI
Quando o homem começou a criar obras de arte? Com o que elas pareciam? O que o induziu a criá-las? Toda história da arte deve começar por essas perguntas – e pela confissão de que não somos capazes de respondê-las. As mais antigas figuras feitas pelo ser humano foram desenhadas em paredes de rocha, sobretudo em cavernas.
Esse tipo de arte é chamado de rupestre, do latim rupes, rocha.
Já foram encontradas imagens rupestres em muitos locais, mas as mais estudadas são as das cavernas de Lascaux e Chauvet, França, de Altamira, Espanha, de Tassili, na região do Saara, África, as do município de São Raimundo Nonato, no Piauí, Chapada Diamantina, Bahia, além de outras regiões do Brasil.
Agora pare para pensar: Como se desenvolveu essa arte? A quais objetivos atendia? E como sobreviveu intacta por tantos milhares de anos?
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
A diferença entre BELO e BONITO
A BELEZA vem da emoção que temos diante de uma obra de arte quando percebemos o que o artista tenta transmitir. A BELEZA vem também da sensação de conseguirmos ver o mundo da maneira que pensamos ter sido a intenção do artista. Dessa forma,até mesmo uma marcha fúnebre pode ser bela, apesar de triste. Porque a beleza emociona, e o mundo da arte, como o mundo real, tem aspectos agradáveis e alegres, assim como desagradáveis e tristes.
E de onde veio essa idéia de “boniteza”? O BONITO está associado à idéia de harmonia, simetria, equilíbrio e proporcionalidade, herança da Grécia Antiga. O BONITO se baseia num modelo universal, “agradável aos olhos”, que mostra o mundo não como ele é, mas como deveria ser. Geralmente é associado à características como a alegria, a distração e o disfarce das imperfeições.
(Trecho extraído e adaptado de Questões de Arte, de Cristina Costa.)
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Super dica!
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Dúvidas e sugestões
Sugestões de Leitura
Essa obra do pesquisador Percival Tirapeli apresenta, de forma simples e abrangente,a arte rupestre brasileira até a representação indígena nos tempos atuais. Passa pela arqueologia, pelos séculos 16 e 18 e por Lygia Pape com seu Manto Tupinambá. Dá ênfase às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, onde foram marcantes as presenças do índio e de ancestrais americanos. O autor declara: Sabemos que a arte indígena é viva e que são muitos os povos que a tornam presente sob formas de cerâmica, plumária, cestaria e pintura corporal. As ilustrações do livro são de ótima qualidade, e ajudam no entendimento das origens da Arte Brasileira e sua ancestralidade.
A quem pertence a cidade?
No livro A quem pertence a cidade?, Liliana Iacocca conduz o leitor a um verdadeiro passeio cinematográfico. Pouco a pouco, personagens dos mais variados tipos se destacam da multidão e deixam conhecer seus dramas e alegrias, mostrando a face humana da grande cidade. As imagens, criadas por Graziela Iacocca, filha da autora, acompanham com delicadeza os movimentos do texto. São belíssimas ilustrações, em que fragmentos de diferentes elementos - papelão, retalhos de pano, manchas de tinta - se misturam e constroem imagens de uma cidade colorida e plural. A quem pertence a cidade? é um livro que, ao colocar em discussão o direito de cada um a seu espaço, ajuda as crianças a entenderem melhor seu papel como cidadãos na construção do cotidiano.
Quem sou eu
- Artes no Oficina
- Espaço voltado para as aulas de Artes do Colégio Oficina.
Sou Ludmila Britto, tenho 30 anos, sou formada em Artes Visuais e moro em Salvador-BA. Trabalho com Arte Contemporânea e dou aulas de Artes para 5a e 7a série do ensino fundamental do Colégio Oficina (minha amiga Solange Moura ministra as aulas da 6a e 8a séries).
Sou apaixonada por ARTE (não somente Artes Visuais, como também música, literatura, cinema, etc.), e descobri a internet como ferramenta de pesquisa e potencialização do meu trabalho.
Devido ao amor pela minha profissão, e ao desejo de compartilhar com todos o conteúdo/processo das aulas que coordeno, resolvi criar esse blog. Nesse espaço, serão mostrados trabalhos dos alunos, assim como seu processo de construção durante as aulas. Pequenos textos e imagens sobre os conteúdos trabalhados em sala também estarão presentes, que, juntamente com os sites sugeridos para pesquisa e as sugestões de leitura e eventos culturais, formarão uma interessante plataforma de pesquisa no campo das Artes. Comentários, críticas e sugestões são bem vindos, assim como discussões acerca de temas relevantes.